22 julho, 2008

O Monstro

Os que aqui chegaram há tantos anos
Buscando o que não tinham de onde vinham
Nem mais esperanças sequer traziam
Vieram construir um visão de mundo e destruir
Longe, mas ungidos pelo Papa e o Império
Como bons religiosos, enforcaram, assassinaram,
Amealharam o que puderam de pedras e metais
Para enriquecer, prostituíram, roubaram, escravizaram.

Ainda hoje, de longe e de perto até aqui vêm
Eles vêm aos milhares submeter a natureza, destruir a floresta.

Já não temos laços com uma coroa, há muito se romperam
Ocupamos o cerrado e a floresta e a vamos destruindo
substituindo as árvores pelo capim, o manejo pela erosão
Enquanto assim constroem, roubam e continuam matando.
Construindo sobre escombros e corrupção esse nosso chão
Iniciada a nação com o massacre dos gentios, do africano escravizado.
Nós sorrimos displicentes e abanamos as cabeças.
E a todos cedemos nossas riquezas, nossas crianças
Para demonstrar nosso espírito e nossa gentileza.

O azul e o verde são sujados, a diferença pisoteada
Chutadas como a um cachorro enlouquecido
Essa guerra nunca acabou, o poço d’água está cercado
Uns poucos acima de nós ela amontoou.

Eles empinaram o nariz, erguendo sabres e fuzis.
Estão nas salas em todos os quadros
Outros já acenam nos cais lenços brancos aos navios
Estão nas paredes e nas ruas empalhados,
Estão há séculos nos comandos empilhados

O passado tem muito essa cota de injustiça
De gente de espírito não muito bondoso
De protetores e amigos de seus sonhos de muito além
Agora há no chão um monstro à solta, não te quer obedecer.
E no mar uma quarta ronda que ninguém vai combater

Ordem e progresso cobram os guardiões da iniqüidade.
Parecem até generosos, bondosos, bem intencionados
Não conseguem sê-lo, mais que o queiram,
Tal ordem e tal progresso têm outros donos verdadeiros
Quem mantêm a exploração iniciada na colonização


Também empinaram o nariz, erguendo sabres e fuzis.
Estão nas salas em todos os quadros
Estão nas paredes e nas ruas empalhados,
Estão há séculos nos comandos empilhados

Eles tagarelam sobre lei e ordem até global
Mas é tudo só um eco do que sempre foi dito
O monstro à solta trocou o porrete pelo foguete
Amarrou nossas cabeças pela tevê e te diverte
Assistimos as cidades se tornarem selva
Impera enquanto o arco dourado e as duas cocas
E a corrupção como sempre encanta os idiotas
A polícia vigia a propriedade e a ordem, e arranca vidas
E o povo se desentende por representação,
Não quer saber como cuidar ele mesmo de si próprio
Nesse exato momento há também uma guerra aqui
Não importa quem a vença, nós a estamos perdendo
Se não somos os bandidos e a polícia mata crianças
Nós não podemos pagar esse preço de deixar o monstro à solta
Ele tem nossas cabeças amarradas, e vamos ficar assistindo
Onde estão todos os indignados agora?
Todos que se importam com crianças assassinadas?
Todos que querem o fim da exploração imposta?
Não podemos lutar só uns poucos contra um monstro assim
Os verdadeiros donos estão logo ali nos navios às nossas costas
Precisamos de nós todos exatamente nessa hora.


(A propósito do artigo Escopeta não é chocalho, de José Luís Fiore, e da canção The Monster, de Steppenwolff, de 1968).

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