06 novembro, 2006

Alice e as maravilhas do primeiro olhar

O País das Maravilhas desliga linguagem de contexto usual e convida ao estranhamento do mundo.
O impensado é o desafio a vencer.
A trama de Lewis Carrol cria um universo ficcional caótico que vai sendo conhecido em altíssima velocidade narrativa.
Nada real, coisa alguma de realidades.
Não deixa o leitor estabelecer relações cognitivas e emocionais no encontro com o texto.
Obra de arte, não trata só do nonsense infantil, pois que carrega ordenação lógica singular. Carroll finaliza revelando em que se assenta o seu país: Ah, eu tive um sonho tão esquisito! – diz Alice.
O autor faz das aventuras encontros fenomenológicos.
Cada episódio guarda níveis de apreensão diversos.
A narrativa convoca a capacidade de reordenar as significações.
Os encontros de Alice conduzem a pensar a própria linguagem de modo que se torne linguagem primeira redefinindo os próprios limites do mundo.
Infância, jogo e linguagem são os marcos essenciais do mundo poético de Carroll.
Nenhum suficiente em si para que se compreenda o mundo.
Alice não é puro jogo com os significantes.
No quinto capítulo, Conselhos de uma Lagarta, filosofia profunda aparece como ingênuo diálogo infantil.
- Quem é você?.
Está posta a própria existência em questão.
Tantas transformações sofridas e encontros no mínimo inusitados na toca do coelho, longe da família, da escola, das atividades e círculos sociais próximos, a resposta poderá ser errada, porque requer de Alice retomar a própria essência. Tarefa colossal ante as circunstâncias do País das Maravilhas.
O desassossego se instala.
Carrol questiona a existência antes da autodefinição.
Dúvida antes do Verbo.
A lagarta será borboleta. Espelho da metamorfose. Escapa a Alice a razão de não poder identificar-se.
- Bom, quem sabe a sua maneira de sentir talvez seja diferente... ensaia Alice ainda na tentativa de explicar-se.
- Você! - exclamou desdenhosamente a Lagarta.
– E quem é você?- Acho que a senhora deveria me dizer primeiro quem é.
- Por quê?
A nova pergunta desconcerta, confronta sem desvelar-se.
Carrol desarticula o mundo instituído.
Retoma respostas socialmente aceitas, esvaziadas de significação e lhes dá outro lugar.
Só o olhar primeiro, um novo olhar, se permite maravilhar.
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Apoiado no estudo A desconstrução de ilusões, de Milena Shimizu.

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