Deixou Bruxelas tomada de pânico.
Voltar para casa, reencontrar a família, as pessoas amigas, a
segurança no passo seguinte lhe pareceu o melhor e mais imediato remédio.
O voo sem turbulências, o serviço de bordo atencioso, o
cabernet de boa cepa, a música suave no fone de ouvidos e a visão do sol
mergulhando ao longe no mar plácido permitiram que se entregasse ao primeiro
cochilo sem recidiva do horror dantesco de corpos despedaçados no chão ensanguentado
da estação do metrô, da fumaça sufocante, da correria desabalada, daquele grito
agudo desesperado de criança em choro convulso, para ela a síntese da
impotência humana ante o terror.
O toque suave da moça pedindo quase em sussurro que voltasse
a poltrona à posição vertical para o pouso trouxe-lhe ao rosto o primeiro
sorriso espontâneo em três dias. Agradeceu, desligou o iPhone, afivelou o cinto,
procurou na bolsa o batom vermelho, aprontou-se para o regresso após cinco anos
ao aconchego da terra em que nasceu e viveu feliz por duas décadas...
A esteira silenciosa da sala apinhada de viajantes trazia
pertences e lembranças guardados em grandes malas e pacotes de variadas cores e
formatos.
A dela era vermelha, quase rosa.
...
Recuperou os sentidos ainda estirada no piso frio do saguão
do aeroporto, o corpo tomado por dores lancinantes, a cabeça latejando, o
vestido vermelho rasgado, a nudez do corpo vergastado exposta, as pedras rubras
do colar de singelo e delicado artesanato quebradas e amontoadas dentro de um
boné verde-amarelo deixado também no chão próximo a ela.
Recordou aterrorizada do urro do homem enfurecido à frente da
malta uniformizada.
- Vermelho!
O primeiro soco dele a atingiu na testa, confundindo-lhe os
sentidos. Seguiram-se sarrafadas nos braços que tentou erguer em tímido gesto
de defesa, mais tapas e socos de outros homens e mulheres... já caída, pontapés
e cusparadas até desfalecer.
Percebeu o rosto do pai aproximar-se do seu, a mão a lhe
sustentar a cabeça pela nuca, soergueu-se para abraçá-lo tímida à procura de
conforto...
Estancou terrificada ao ver o rosto do pai pintado de verde e
amarelo, o olhar rútilo...
Sentiu uma lágrima brotar-lhe dum canto de olho antes de
desmaiar.
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