24 setembro, 2007

Incrível e maravilhada resenha de leitora sobre a novela O dia do descanso de Deus





A primeira tarde

Era uma tarde nebulosa quando resolvi destrancar a minha ansiedade em viver O Dia do Descanso de Deus. Mas insisti em não adiar nem mais um minuto sequer o meu descanso de mim. Desenhei um imenso sol na areia branca da prainha na margem do Rio Tubarão, cercada por manguezais, vento, nuvens instáveis em cheiro de maresia. Deitei e abri o livro, e o sol se abriu num doce e quente sorriso.
Romão, o homem de valentia calada. O homem de alma encerrada dentro do medo de até por sua própria sombra surpreendido ser. Alma desconfiada amparada pela valentia de se fazer temer para não ser atraiçoada.
O sol ficou sob nuvens riscando o céu com raios vermelhos volatizados, parecendo um pescoço ensangüentado à navalhada.

E a tarde se fez paixão
Até Divina aparecer.Tão formosa, e terna, e breve, que fez o sol reaparecer ardendo suave e leve. E Romão, tomado, fisgado, de súbita e desconhecida emoção, esqueceu de vigiar a própria sombra, surpreendido perdido dentro do próprio coração. Não cuspiu na própria sombra, estava assombrado e tomado de paixão. E calado.

E o amor brutalmente separado
Mas aí, depois do amor formalizado e semeado em quatro crianças lindas, Deus se ausenta do mundo, e em poucos segundos, se abate a tragédia conferida ao Diabo.
A tristeza de Romão engoliu tudo então, e saiu engolindo calada a dor da Florzinha, a do Alarico, a do Jesualdo, Deusa, Belinha, e dor de todos daquele lugar. Talvez apenas as crianças trouxessem dor igual e não engolida pela dor de Romão, que também engoliu a minha, e me transcendeu, e o sol se escondeu, o vento soprou no seu masculino forte e frio sopro enraivecido, juntando as nuvens em chumbo, antes fragmentadas, e uma grande sombra sob este pedaço de terra se abateu. Chorava invisivelmente Romão, e chorei intimamente eu. E a grande nuvem formada, levemente verteu águas; é que também, de lá do seu descanso, chorava Deus através dos céus.

(Um parênteses interessante de abrir. Na segunda tarde de leitura, eu esqueci de levar o meu cardeninho de anotações, porque como eu resolvi pirangar o livro, e Deus deu de me ajudar a controlar tranqüila e docemente a ansiedade em devorar a novela, eu paro aqui e ali para escrever, e às vezes até para desafogar a alma, trazê-la um pouco à tona do mundo exterior, o real(?). Mas nem chego muito para fora do livro, porque fico com as vozes inaudíveis dos personagens e do narrador - que eu imagino em belo barítono de locutor de programa radialístico - soando com o vento da tarde. Então, querendo escrever o que me vinha de emoção repercutindo a história dentro de mim, e sem meu cardeninho, apenas a caneta, não restou outra alternativa, a não ser escrever na contra-capa do livro, o quê agora vou transcrever aqui)

Fim de tarde com ecos urbanos, vermelha como a morte (a)parece à razão, às leis e aos olhos dos humanos.
Numa tarde tragicamente ensolarada, umas duas tardes após a dor de Romão ainda ecoando no meu coração, reencontrei Jesualdo, 12 anos mais experiente, delegado em cidade grande, tarimbado com as mazelas sociais, mas, talvez sem se acostumar com elas, olhando um corpo esvaído em sangue derramado pelo pescoço navalhado, no chão de um boteco afavelado. Seu coração bateu retumbantes lembranças ensangüentadas, dívida honesta, sentimento de impotência ante a fatídica fatalidade, e raiva enlutada. Tudo isso, me dizia silencioso e desconfiado Jesualdo.
Aquele crime ali, tão inverossímel quanto o pano muito limpo que o balconista sobre o seu ombro apresentava e, como se não bastasse, um São Benedito decapitado causando estrago no seu pé desastrado. O sangue daquele corpo morto o levou de volta ao sangue da Divina, cruelmente e covardemente derramado. E ele sentiu o seu amigo Romão sofrendo silenciado e exilado, talvez, para não sentir, ou sentir embrutecido, sentindo a cada gota, ao invés de saliva, o sangue da sua amada Divina alimentando a sua ira por si só, silenciosa e enlutada. Talvez, após aquela perda brutal, Romão, fera contida, quando cospe na própria sombra, cuspa uma saliva ensangüentada.

Mais uma dor convertida em poesia
E, em mais uma tarde de entrega a'O Dia do Descanso de Deus, mais uma vez a dor se fez presente num destino desabitado sob os céus. O sol perdeu a força, o vento sofreu soprando feroz e as nuvens se aglomeraram pesando tristeza em chumbo no céu. Era a dor de Laurita de estar vendo numa página de jornal estampado o pescoço degolado do Dom amado seu.

Surpresa minha.
Dor na Laurita.
Dor inaudita.
Dor toda invertida,
invertendo a tarde em que tudo doeu.
O sol deixou de sorrir
apagando seu brilho dourado no céu.
Chorava ja tão de tragédia marcada,
uma dolorida Laurita.
Chorei calada eu.
E a maré,
Que até então estava seca,
De repente águas verteu.
O rio levando em seu leito
Em correnteza lenta,
Suas águas salgadas,
Brotando como lágrimas
Saídas das entranhas de Deus.


Não consegui ler mais nada. Com mais essa dor trágica dilacerando a silenciosa Laurita, fui caminhando desolada para casa. A dor dela turvando a minha alma, pensando no meu amor que - ainda - vivo, se faz revestido em dor calada.
Tarde presenciada por Deus
Hoje a tarde está linda, apesar das nuvens num céu quase cristalino. O vento é menino correndo ligeiro feito um triplo de piás desesperando as páginas do livro, parecendo que elas querem sair voando para levar as palavras cheias de dor e revelações inesperedas, além de tensão, medo, tristes lembranças, segredos subitamente revelados, manias da Florzinha, divagações tardias de Nádia, Jesualdo, Deusa, Dom, Alarico, os três piás, Laurita órfã de mãe, separada do pai, de amor enlutada e no ventre uma semente fecundada, Belinha e o medo antecedendo suspenses, suspeitas e outras agonias. E mais morte no "Saco da Alemoa".

E eu?!
O vento então meio que sossegou. Imperou o silêncio quase tão tenso e denso, quanto os silêncios de Deusa e Belinha em retorno à vida viva e real da capital, mas do mangue vem um longíquo arrulhar, como ecos de crianças a chorar. Não fosse isso, essa dor, essa perda retornada nos últimos gemidos da agonizante Divina, e eu diria que esta tarde era Deus voltando do seu descanso.

Tardias crueldades dos dias.
E nessa tarde tão silenciosa e limpa, não quis economizar parágrafos em quartos de horas, as emoções não cessavam de aqui e ali alterar os batimentos do meu coração que sentencia silenciosa existência do sentir. Tão calado quanto um Romão despedaçado. E parei apenas quando Deus me cobrou economias me trazendo de volta à minha idílica realidade tardia, numa frase findando aquela tarde:
"A paixão cedera, adormecida pela crueldade dos dias"



Então, chorando (des)obedeci - como sempre costumo fazer com O(s) deus(es) - parei de ler, fechei o livro, e me entreguei a escrever, movida por esta minha indefinvel, inaceitaável, incompreensível e - ainda - não cedida paixão. Apesar dos meus dias reais terem parecido muito cruéis dentro dela.

Tarde em cores de dor e melancolia.
Mais uma tarde de alegres lembranças turvadas por dores também lembradas. A tarde não finalizada numa Divina assassinada. E a tarde começou quente e seca tal qual as duras palavras áridas do Romão. Daí em diante nuvens aglomerando-se pressagiosas, e deve ter doído assim a tarde em que Divina morreu, deixando o Romão mergulhado na tortuosa dor de ter ficado exilado no seu mundo, que o deixou sem o perdão, com um buquê de lírios nas mãos, sentimentos dolorosos no coração, e sem ao menos um adeus.
Mais um filho, mais um medo, mais um lindo rebento e mais um grande tormento, para ele que tanto temia perder para a morte a sua Divina. Ai que sangrenta ferida carrega o bravo e altivo Romão, sem a Divina, já sem vida, sem despedida, e a tanta culpa ele calado se entrega, fora duro com ela pela primeira vez em suas unidas vidas, porque a queria apenas viva.
O vento soprou dor e desespero, e o sol tudo reaqueceu, recomeçando tudo, iluminando em viva cor as nuvens cheias de memórias, que trouxeram desde o quando e de como o amor nasceu.

O amor em sons de alegres tardes.
Outra tarde se fazendo alegre e doce e com sons reconhecíveis a distância, dando tempo de se embelezar - como se preciso fosse - mais um pouquinho, até para disfarçar inutilmente a ansiedade da saudade se intensificando.

(Lembrei eu menina nos meus sublimes 11 anos, quando me enamorei de um menino da mesma idade. Todas as tardes eu botava um dos meus poucos vestidinhos de festa, um laço de fita no cabelo, e ia sentar no mesmo banco da curva da pracinha da nossa rua, apenas para vê-lo passar na sua bicicleta Caloi vermelha. Ele dava dez voltas em torno da praça, contadas. No começo ele nem ligava, mas a minha insistência parecendo silenciosa penitência, teve bons resultados. Ele já conhecia todos os meus vestidinhos, e, com o passar dos dias, apesar da gente sequer se falar, ele passou a me perceber, e a compensação veio quando ele passou a me olhar, depois a me sorrir. Então, todas as tardes, a cada volta, ele me olhava e me sorria. Eram dez voltas, dez olhares e dez sorrisos que eu ganhava do meu amor-criança-calada. Essa paixão infantil durou pouco mais de um ano. Nem sei mais o que aconteceu. Mas sei que aquelas foram as tardes mais lindas e felizes daquela minha infância já delirante e apaixonada. E hoje, olhando um pouco para o sumidouro do espelho que é o passado, parece que ainda sou aquela menina, delirantemente apaixonada. É isso que sou Querido Imperador (modo como a leitora apelidou o autor), uma menina apaixonada, e não há mistério, e mais nada que eu possa usar para me descrever. E sei que para muitos isso soa inadmissível, mas, com o perdão da palavra, à merda com todos estes insensíveis babacas).

Tarde de festa e perigo detido a unhas.
(Hoje a minha tarde foi tão agitada quanto uma manhã de festa na Boca do Monte, e o meu céu inicial era quase de "Brigadeiro". Mas aí a minha tarde já começou eu tendo que sair daquele meu lugar vespertino, porque um pescador que mora numa das casas de frente à prainha me descobriu nos meus banhos de sol, supostamente sozinha. Na primeira vez, ele ficou na dele, na segunda, quando cheguei ele já estava dentro do rio lavando o barco dele e me secando, e aí eu flagrei ele! A minha Lilith disse sorrindo: "Deixa pra la, vai! Teu corpo quase todo exposto, ainda enxuto, e todo bronzeado! Deixa o animal se saciar molhado."
Então eu o ignorei, e continuei no meu banho de sol muitíssimo bem acompanhada pela prosa gostosa dos três amigos queridos meus. Na terceira tarde, foi só eu me sentar e me despir para o animal vir na direção do rio. Eu me vesti, levantei, peguei minha bolsa, minha canga, e, "Puta da Vida", tal qual a Laurita em ira bem dita ao se deparar com a baixesa de alguns homens. Ai, hoje, mesma coisa, ele da casa dele! Tive que andar uns 200 metros pela beira do rio, que está na maré se fazendo alta, e sai devorando a estreita margem de areia, e à noite ela já terá tomado tudo, até a pequena estrada aberta à força continua de carros, motos, bicicletas, carroças, e animais, racionais ou não. Enfim, abri o livro).


Do mangue vinha um burburinho festivo. E o vento era suave como o esvoaçar dos trajes elegantes das mulheres em palavreados condizentes com a dignidade que lhes cabe. No céu escassas nuvens de efêmeros desenhos. Uma tarde de festa de interior. De repente, um ruído esquisito quebrando o equilíbrio, vozes, gritos, vindos em alarido! No meio da festa de Boca do Monte, um touro fugitivo!

(Na minha direção, uma manada de cinco bicicletas, apenas machos montados. "Ai meu Deus, que droga é essa?! Será que hoje eu não concluo esta tarde?" E vesti o short e a camiseta, apressadamente, ao mesmo tempo em que mentalizava, "Passando!" E passaram já silenciosos, mas por bem perto de mim. Me olharam, mas passaram. Quis tirar a roupa novamente. Mas, quando tirei a camiseta, Deus disse assim: "Ficas ao menos com o short 'guria', e olha a tua volta. Estás deitada no meio da estrada, o que tu querias? Que eles desviassem por dentro das dunas cheias de vegetação de restinga, correndo risco de rasgar roupas, de furar pneus e pés, apenas para que tu não te sintas acuada e enfureças?" Eu concordei, aborrecida. Ai cheguei na esquizofrenia de Dom).

Tardia Maré Cheia de Dor.

(E hoje foi a nossa primeira maré enchendo. É que está chegando a lua cheia, e como Deus ainda se demora descansando, mas não descansado, têm sido tardes de nuvens pesadas, mas de sol constante. Às vezes rindo conosco em raios quentes, às vezes em raios nos acalentando, ou ocultado, mas nunca ausente, por sobre as nuvens existentes. E agora que me livrei de bolsa e chinelos, acendi o meu segundo cigarro do dia, e entrei na Iole que aqui nos recebe ancorada, para ficar dentro dela a balançar-nos na correnteza do rio, enquanto nos encontramos dentro do livro. E vamos a ele, que o sol não espera, e por enquanto ainda nos resta mais de uma certeza, além da morte, a noite também é certa, e as noites, como ja te disse pertencem a outro Deus).

Agora que me contas
De Nádia e sua dor
Que é dor de Mãe-Maré
Dor de homem calado
Céu enlutado.
Dor de crias enlutadas
Tardes órfãs e ensolaradas.
Dor de irmãs desoladas.
Nuvens desbotadas.
Dor de amigos desamparados
Ventos em silêncios sagrados.
Dor de paixão degolada
Dor de águas minadas.
Mas dor de mãe
É dor de lágrimas sangradas
É dor de águas
Brotando sagradas,
Ficando assim,
Para o resto da vida
Essa dor convertida
Em águas de marés
Hora secando
Hora enchendo
Nesse ir e vir
Do eterno sentir
Dor de mãe na alma
Subterrâneas águas.


(Foi por isso que cheguei na maré seca e sofri com a Nádia na sua dor enchendo a maré com essas águas tão sagradas, que singram de dentro para fora, de baixo para cima, dor uterina, onde a vida começa e a morte finda).

Querido Adroaldo, finalizei teu livro numa bela tarde de azul límpido no céu, e sol amornando saudades da história de amor e sangue em que mergulhei quando abri teu livro. E o verde do manguezal emoldurando tudo, feitio também dos olhos da Laurita.


Mas nesta tarde de fim de história, eu estou no lado oposto de onde eu a comecei a ler e sentir, durante 15 tardes, cá no meu lugar, as tuas crias uma a uma me alcançando de dentro para dentro, como eu gosto de ser alcançada, me entregando, me envoldendo. Durante 15 tardes eu fiquei entre Boca do Monte e Diogo Lopes, num louco espaço-tempo surreal, e, no entanto, forte demais para ser descrito de outra maneira a não ser essa, de poder escrever o que senti quando abria o livro e saía de mim.
Sempre acontece assim.

(Fiquei tão apaixonada por Romão que quis ser ele! Mas é uma paixão que se inflama apenas nas horas vespertinas).

Pois bem, a história chega ao fim, aqui, num canto novo redescoberto no meu lugar. E um pedaço lindo desse paraíso, onde uma bica - que aqui o povo chama "escorrego", porque é por onde a água doce "escorre", entendes? - de onde cai uma água doce e fresca vinda direto dos lençóis freáticos existentes por sob as dunas. Nas partes mais altas daqui do meu lugar, algumas dunas abrigam lagoas pluviais. São poucas, dado o pouco volume de água de chuva que cai por estas bandas da terra Brasilis.
Esses "escorregos" despejam incesantemente água doce indo ao encontro da salgada água do rio, e juntas seguem para desaguarem na imensidão Atlântica.
(Aiiiii!Como sou romântica!)
Ontem à tarde ouve muita tensão, dentro do livro e fora de mim, cá na realidade do meu lugar, nada demais, mas hoje eu quis me entregar em paz, e consegui, aqui, entre águas doces e salgadas, em entregas e doações, e em Laurita, enfim, desatou a vontade reprimida de abraçar o pai.
Foi lindo. Sem mais pedidos, sem conflitos, como deve ser toda entrega, seja de sangue ou não.
Mas ainda não findei o livro, ainda tenho mais dois dias aqui, então, só amanhã é que lerei o epílogo.
E agora, um breve adeus, que eu vou me entregar e me beneficiar da esxistência do outro Deus.

Epílogo feliz!
Acabei de ouvir pai e filha conversando sobre passado-presente e futuro e o sol que andava abafando o meu mundo em nuvens pesadas como ressentimentos inúteis rompeu distâncias e reapareceu.
(um dia, em outra vida, eu vou querer (s)ter um pai assim, está ouvindo, Deus?)
E hoje eu escolhi outro canto sagrado para o nosso adeus deste meu lugar todo envolvido em descanso bom. A maré seca deixa a mostra uma relvinha de doce verde em toda a extensão do rio. Esta é a minha penúltima tarde aqui, amanhã o dia todo será dedicado a despedidas das pessoas queridas deste meu lugar. Pessoas que me viram nascer, e que seria uma desfeita não comungar com elas por um dia inteiro.
Café da manhã com a minha irmã primogênita, cunhado, sobrinhos ( e sobrinha!), sobrinhas-netas e mais um no oitavo mês de vida submersa e protegida nas águas amnióticas do útero da mãe. Almoço com a minha madrinha, mulher pequena e guerreira, generosa e linda.
E luau com os amigos.
O teu livro findou sem tristezas e já me deixando saudosa de todas as tuas crias, até de todos os "Mancos" que cruzaram visível ou invisivelmente a história tão habilidosamente por ti contada. Não tenho mais nada a te dizer mesmo, além de "Obrigada!" quantas vezes me forem dando vontades de escrever, "Obrigada!"
O meu descanso, está quase no fim, mas está completo, está repleto de coisas lindas, e boas, muitas cartas para algumas raras e caras pessoas, como tu.
Me curei um pouco de mim, e a tua história me ajudou bastante a rever feridas e antigas cicatrizes, e emoções felizes e tolas.
Me vi em cada uma das tuas crias e, depois do Alarico, passei a cumprimentar as pessoas do meu lugar com um "mmmmdiiiaaa!!, todo Alaricado, e meu som rouco saia de brincadeira, que eu não tenho bigodeira.
Que mais posso eu te dizer, querido Adroaldo, a não ser, mil vezes, Obrigada?!
Setembro do ano que vem, eu estarei de volta para me refazer de mim, espero que também já tenhas pronto, um outro livro tão bom quanto este, para eu trazer entre os tesouros meus, senão, trago novamente, "O Dia do Descanso de Deus."
Aliás, querido Imperador, teu livro (que é todo meu) está quase em frangalhos. As páginas quase separadas da brochura, de tanto que o vento quis arrancar e espalhar as palavras mundo a fora. Manchado de seiva de folha de mangue usada como marcadora de página. Melado de lama, áspero de areia, contra-capa escrita à caneta azul Não que tenha sido descuidado, é que ele foi por mim e pela natureza bem manuseado, e antes de eu ir embora, ele no rio Tubarão, será batizado.
Nestas tardes de deuses, dores e paixões, so faltou mesmo uma cuia de legitimo "Chimarrão, Tchê!"

Querido Adroaldo,

Eu nunca tinha vindo ao meu lugar no mês de agosto.
Já viera em maio, junho, julho, setembro e outubro.
E em todas as vezes precisando urgentemente me refazer, me ressuscitar e me recriar dentro do que sou sem me perder de mim.
Renascendo no lugar que é o meu segundo útero neste plano dos mundos de Deus.
As águas do rio Tubarão que do Atlântico vêm e para ele vão, são o meu salgado e sagrado líquido amniótico. Me deito ao sol em posição fetal e deixo que ele seque minhas feridas e o vento ágil assopre as cicatrizes.
Não há como querer a morte havendo tanta vida neste meu lugar.
Voltando a agosto, encontrei o meu lugar com tantas nuvens carregadas, pesadas, eletrificadas, como não me lembro de ter visto nunca não.
Mas não chove, raramente chove, e o povo daqui não gosta quando chove, pensam que é outro dilúvio, porque chove tudo de uma vez, formando lagoas nas concavidades das dunas, formando lençóis freáticos. Mas um dia uma dessas lagoas transbordou enchendo as duas únicas ruas do lugar com água e areia fina, mas não houve mortes, porque era apenas a vida sendo desaguada, e mais nada.
Todas as tardes - as das primeiras semanas, de maré seca - eu te trouxe comigo, tu e as tuas crias lindas, doces, e ferozes, caladas, românticas, tristes e lendárias.
Me entreguei a elas, as encarnava em suas sutilezas, em suas vidas por ti romantizadas.
Como te disse, aqui quase nunca chove.
É como se não precisasse.
Tem áreas que são áridas, áridas, mas existem nascentes de águas doces em alguns quintais, e em áreas desabitadas.
Para que chover então? Basta o necessário para reabastecer as lagoas e os lençóis.
Pois bem, na tarde em que a Divina foi assassinada, o sol se escondeu abruptamente por nuvens que enlutaram brevemente o céu, e caiu uma chuva leve, breve, fina e silenciada.

Foi por isso que valeu a pena cada minuto que esperei com minha ansiedade bem guardada, porque eu sabia, que aqui seria o melhor lugar do mundo para eu eternizar no meu coração as tuas palavras sonoramente silenciosas me contando a linda história do amor infindo, mas brutalmente (i)mortalizado da Divina e do Romão, o romance inadvertido e breve da Laurita e do Dom, o inibido amor do Alarico e da Deusa, a paixão adiada do Jesualdo e Belinha, além das maneirices e da melodia do linguajar do teu lugar e sem esquecer as manias lendárias da pequena Florzinha.
E eu também tenho as minhas, mas é coisa que apenas a família sabe.


Que mais posso eu te dizer, querido Adroaldo, a não ser, mil vezes, Obrigada?
Um abraço forte e bom, desses que apenas amigos sabem dar, seja cá onde estou ou aí onde estás.
Dora Nascimento.
Agosto de dois mil e sete sentimentos me trazendo de volta.

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