Jesus expulsando os vendilhões (cambistas), episódio conhecido também como limpeza do Templo |
Não andeis cuidadosos quanto à
vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao
vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento,
e o corpo mais do que o vestuário? Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã,
porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. A seara
é realmente grande, mas poucos os ceifeiros. Nem alforjes para o caminho, nem
duas túnicas, nem alparcas, nem bordão; porque digno é o operário do seu
alimento.
Do Evangelho atribuído
a Marcos, que atribui a Jesus de Nazaré, tornado Cristo.
Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, do
iraniano-americano Reza Aslan, recupera um Jesus histórico na Palestina, há
2.000 anos.
“O primeiro
testemunho escrito... sobre Jesus de Nazaré vem das epístolas de Paulo... de 48
e 50 d.C., duas décadas após a morte de Jesus... uma extraordinária falta de interesse
pelo Jesus histórico. Apenas três cenas da vida de Jesus são mencionadas em
suas epístolas: a Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a Crucificação (1
Coríntios 2:2), e, mais importante para Paulo, a ressurreição, sem a qual,
segundo ele, “a nossa pregação é vazia e sua fé é em vão” (1 Coríntios 15:14).
“Isso nos deixa com os
evangelhos, que apresentam seu próprio conjunto de problemas... Com a possível
exceção do evangelho de Lucas, nenhum... escrito pela pessoa que o nomeia... uma
forma padrão de refletir as crenças daquela pessoa ou representar sua escola de
pensamento... não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de
Jesus... são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos
muitos anos depois dos acontecimentos que descrevem... Simplificando, os
evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem...
“No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de
Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu
que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I
d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso... quando combinados com tudo
o que sabemos sobre a época tumultuada em que Jesus viveu – e graças aos
romanos sabemos bastante -, esses dois fatos ajudam a pintar um retrato de
Jesus de Nazaré que pode ter mais precisão histórica do que o pintado pelos
evangelhos.”
Conforme Aslan, “...o Jesus que emerge desse exercício histórico – um
revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram,
pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca
semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva.
”
E acrescenta: “Considere o seguinte: a crucificação era uma punição que
Roma reservava quase exclusivamente para o crime de sedição. A placa que os
romanos colocaram acima da cabeça de Jesus enquanto ele se contorcia de dor – ‘Rei
dos Judeus’ – era chamada de titulus,
e, apesar da percepção comum, não era para ser sarcástica. Todo criminoso que
era pendurado em uma cruz (pelos romanos) recebia uma placa declarando o crime
específico pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de
Roma, foi o de buscar o poder político de um rei (ou seja, traição), o mesmo
crime pelo qual foram mortos quase todos os outros aspirantes messiânicos da
época. E Jesus também não morreu sozinho. Os evangelhos afirmam que em ambos os
lados de Jesus estavam pendurados homens que, em grego, eram chamados lestai,
uma palavra muitas vezes traduzida como ‘ladrões’, mas que, na verdade,
significa ‘bandidos’ e era a designação romana mais comum para um insurreto ou
rebelde. Três rebeldes em uma colina coberta de cruzes, cada cruz com o corpo
torturado e ensanguentado de um homem que ousou desafiar a vontade de Roma. Essa
imagem por si só deveria lançar dúvidas sobre a interpretação dos evangelhos de
Jesus como um homem de paz incondicional quase totalmente isolado das
convulsões políticas de seu tempo. A ideia de que o líder de um movimento
messiânico popular pedindo a imposição do ‘Reino de Deus’ – um termo que teria
sido entendido, tanto por judeus quanto por gentios, como implicando revolta
contra Roma – pudesse ter permanecido sem envolvimento com o fervor
revolucionário que atingiu quase todos os judeus na Judeia é simplesmente ridícula.
”
Aslan enfatiza: “...quase toda história dos evangelhos escrita sobre a
vida e a missão de Jesus de Nazaré foi composta após a rebelião judaica contra
Roma, em 66 d.C. ano em que um grupo de judeus liberta e mantém por quatro anos
Jerusalém sob controle judaico.
“Então, em 70 d.C., os romanos voltaram... Tão completa foi a devastação praticada sobre
a Cidade Santa que Josefo escreve... nada fora deixado que provasse que
Jerusalém já tinha sido habitada. O trauma espiritual enfrentado pelos judeus
após esse evento catastrófico é difícil de imaginar...”
Aslan conclui disto que “forçados a viver como párias entre os pagãos do
Império Romano, os rabinos do século II gradual e deliberadamente divorciaram o
judaísmo do nacionalismo messiânico radical que tinha iniciado a guerra
malfadada com Roma. A Torá substituiu o Templo no centro da vida judaica, e
surgiu o judaísmo rabínico. ”
E que mesmo “cristãos sentiram necessidade de se distanciar do fervor
revolucionário que levara ao saque de Jerusalém, não só porque isso permitia à
Igreja primitiva afastar a ira de uma Roma profundamente vingativa, mas também
porque, tendo a religião judaica se tornado pária, os romanos tinham se transformado
no principal alvo de evangelismo da Igreja. Assim começou o longo processo de
transformar Jesus de um nacionalista judeu revolucionário em um líder
espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno... um
Jesus que os romanos podiam aceitar, e de fato aceitaram três séculos mais
tarde, quando o imperador romano Flávio Teodósio (morto em 395) fez do
movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado, e nascia o
que hoje reconhecemos como o cristianismo ortodoxo.
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