Cantar preciso, no entanto

Gabriela Vieira
Primeiro Ato

Era para dizer só que te amo
e me vem esse crônico dano
Se espalha no quarto o odor
De uma carcaça já estiolada

Era para dizer que eu te espero
E não consigo negar desespero,
Sim, esso erro de geometria, um
equívoco de física, uma razão
sem nexo, inacabada sem esmero

Era para ser e não foi. Desimporta
que ainda viva um pouco. Espantalho
desencarnado da paixão, destoante

Então calei. Nada disse. Ecoou alto
o passado do nosso amor, estrondoso
brilho daquela estrela há muito finda

Era para ter sido menos dor, amor.
Era para não ser enlouquecedor,
Era para ter encontrado para flor
Uma rima menos óbvia. Uma vida!

Segundo Ato

Gabriela Vieira

Cadáver insepulto esse esquecido de morrer
um ex-atleta escalado para jogo a não fazer
um tronco por cair na linha do trem ao amanhecer

Que a hora tenha passado sem a perceber
poderia acontecer nada pior a quem nasceu
O que esqueceu de viver. Desacontecido
Foi-se antes, nem por ser, nem sem ter sido

Que não se fique sem dizer, mesmo cale sem consentir
Terrível a sensação de tão inútil desamor fenecido
esmaecido, desaparecido sem mesmo sentido
(inda por cima, empestou o ar da sala em pleno domingo)

Último [e desesperançado] Ato
Gabriela Vieira

Similitudes...
mais não é que grosseira,
grotesca e nauseante coleção das falhas,
empilhadas umas sobre as outras
a esmagar as de cima as de embaixo.

Uma rosa vermelha prometida
uma primavera esquecida de ser
fugaz brilho de estrela, alvíssara
avistada de tantos apagada ao nascer ,
de si retorno imperfeito remoto.

Desesperançado...
não se vá dizer que desiludido.
por momento apenas vencido...
Ainda que uma vez mais.

Epílogo
Oh, dor!
No que confio
é que volta adiante o amor
Que não se detenha uma outra Primavera