23 dezembro, 2015

UMA LEITURA POSSÍVEL (E NECESSÁRIA) A PROPÓSITO DO NATAL


Jesus expulsando os vendilhões (cambistas),
episódio conhecido também como limpeza do Templo
    Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. A seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros. Nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordão; porque digno é o operário do seu alimento.

Do Evangelho atribuído a Marcos, que atribui a Jesus de Nazaré, tornado Cristo.

Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, do iraniano-americano Reza Aslan, recupera um Jesus histórico na Palestina, há 2.000 anos.
“O primeiro testemunho escrito... sobre Jesus de Nazaré vem das epístolas de Paulo... de 48 e 50 d.C., duas décadas após a morte de Jesus... uma extraordinária falta de interesse pelo Jesus histórico. Apenas três cenas da vida de Jesus são mencionadas em suas epístolas: a Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a Crucificação (1 Coríntios 2:2), e, mais importante para Paulo, a ressurreição, sem a qual, segundo ele, “a nossa pregação é vazia e sua fé é em vão” (1 Coríntios 15:14).
“Isso nos deixa com os evangelhos, que apresentam seu próprio conjunto de problemas... Com a possível exceção do evangelho de Lucas, nenhum... escrito pela pessoa que o nomeia... uma forma padrão de refletir as crenças daquela pessoa ou representar sua escola de pensamento... não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de Jesus... são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos muitos anos depois dos acontecimentos que descrevem... Simplificando, os evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem...
“No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso... quando combinados com tudo o que sabemos sobre a época tumultuada em que Jesus viveu – e graças aos romanos sabemos bastante -, esses dois fatos ajudam a pintar um retrato de Jesus de Nazaré que pode ter mais precisão histórica do que o pintado pelos evangelhos.”
Conforme Aslan, “...o Jesus que emerge desse exercício histórico – um revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram, pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva. ”
E acrescenta: “Considere o seguinte: a crucificação era uma punição que Roma reservava quase exclusivamente para o crime de sedição. A placa que os romanos colocaram acima da cabeça de Jesus enquanto ele se contorcia de dor – ‘Rei dos Judeus’ – era chamada de titulus, e, apesar da percepção comum, não era para ser sarcástica. Todo criminoso que era pendurado em uma cruz (pelos romanos) recebia uma placa declarando o crime específico pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de Roma, foi o de buscar o poder político de um rei (ou seja, traição), o mesmo crime pelo qual foram mortos quase todos os outros aspirantes messiânicos da época. E Jesus também não morreu sozinho. Os evangelhos afirmam que em ambos os lados de Jesus estavam pendurados homens que, em grego, eram chamados lestai, uma palavra muitas vezes traduzida como ‘ladrões’, mas que, na verdade, significa ‘bandidos’ e era a designação romana mais comum para um insurreto ou rebelde. Três rebeldes em uma colina coberta de cruzes, cada cruz com o corpo torturado e ensanguentado de um homem que ousou desafiar a vontade de Roma. Essa imagem por si só deveria lançar dúvidas sobre a interpretação dos evangelhos de Jesus como um homem de paz incondicional quase totalmente isolado das convulsões políticas de seu tempo. A ideia de que o líder de um movimento messiânico popular pedindo a imposição do ‘Reino de Deus’ – um termo que teria sido entendido, tanto por judeus quanto por gentios, como implicando revolta contra Roma – pudesse ter permanecido sem envolvimento com o fervor revolucionário que atingiu quase todos os judeus na Judeia é simplesmente ridícula. ”
Aslan enfatiza: “...quase toda história dos evangelhos escrita sobre a vida e a missão de Jesus de Nazaré foi composta após a rebelião judaica contra Roma, em 66 d.C. ano em que um grupo de judeus liberta e mantém por quatro anos Jerusalém sob controle judaico.
“Então, em 70 d.C., os romanos voltaram...  Tão completa foi a devastação praticada sobre a Cidade Santa que Josefo escreve... nada fora deixado que provasse que Jerusalém já tinha sido habitada. O trauma espiritual enfrentado pelos judeus após esse evento catastrófico é difícil de imaginar...”
Aslan conclui disto que “forçados a viver como párias entre os pagãos do Império Romano, os rabinos do século II gradual e deliberadamente divorciaram o judaísmo do nacionalismo messiânico radical que tinha iniciado a guerra malfadada com Roma. A Torá substituiu o Templo no centro da vida judaica, e surgiu o judaísmo rabínico. ”
E que mesmo “cristãos sentiram necessidade de se distanciar do fervor revolucionário que levara ao saque de Jerusalém, não só porque isso permitia à Igreja primitiva afastar a ira de uma Roma profundamente vingativa, mas também porque, tendo a religião judaica se tornado pária, os romanos tinham se transformado no principal alvo de evangelismo da Igreja. Assim começou o longo processo de transformar Jesus de um nacionalista judeu revolucionário em um líder espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno... um Jesus que os romanos podiam aceitar, e de fato aceitaram três séculos mais tarde, quando o imperador romano Flávio Teodósio (morto em 395) fez do movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado, e nascia o que hoje reconhecemos como o cristianismo ortodoxo.

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