28 novembro, 2008

Flor da Pedra




Cida Almeida é poeta que não teme a esfinge, que nos interroga a todos na jornada. Alma atenta, observa no desafio pedra por pedra do caminho.
Percebe nele e nelas as belezas do tempo, do chão da estrada, do vôo do pássaro, das flores que abrem lentas, dos colibris mesmo que se recolhem no inverno, para algum lugar em que apenas o coração vê.
Por tempos se afasta disso, e é apenas uma pessoa comum, como colega jornalista, como bacharel de direito, como filha, como irmã apaixonada pela família, como zelosa criatura cujas perdas são pranteadas, mas não lhe são carga, e sim doces recordações, como do avô intrépido aventureiro, da mãe zelosa da fortaleza física dos filhos tantos que gerou.
Ama o pai, ama a natureza, ama as pessoas.
Cida Almeida ama, sobretudo, a poesia que encontra nas palavras e mesmo as palavras todas, a velocidade ou a lentidão delas, do que muito sabe; o vigor ou a docilidade graciosa que revelam... A paz ou a força bruta que denotam.
Assim é que ama os poemas também e, arrisco, tem em Manuel Bandeira um guia para esse amor ao verso.
Cida Almeida ama e o diz com uma propriedade ímpar, como você vai encontrar nesse primeiro livro de poemas dela, embora, saibamos todas as pessoas que já a conhecem, sempre escreveu. E também haja dor.
Não conheço Cida Almeida pessoalmente, mas é como se sempre a tivesse a meu lado, desde que nos encontramos nas esquinas informatizadas da vida.
Pertencemos a esse mesmo novo Clube da Esquina, portanto...
É uma amiga que entrevisto, embora seja colega de profissão e eu até risque alguns versos toscos para deixar de mim aos meus.

Na apresentação desta primeira obra, a professora Maria Luiza Oswald, diz que há em Cida Almeida “poética da alteridade e produção de sentidos que põe fundura no amor que devotamos à palavra... porque escrever para o outro é inscrever-se no outro como tatuagem, e isso supõe eximir-se do esquecimento do outro”.

Quanto à leitura de Cida Almeida, Maria Luiza Oswald impressiona: “fui atravessada por sentidos adormecidos... Lendo Cida, meus sentidos explodiram: revivi, me reinventei. Só a palavra poética desentoca isso no outro, só a palavra que é forjada no mais intenso amor provoca no outro a experiência da pedra e da flor.”

O poeta Renato Torres, corrobora:

Eu espreito e temo o rolar da pedra
No rolar das pedras do dia
A pedra grande
A impensável pedra
Na fundura da espera (...)
A pedra inominável
A inarredável pedra.

Pedra que se move versus pedra inamovível – uma antítese que filosofa sem resposta, e que brinca de ser, transmutando-se. A pedra, em Cida, também é a flor. O mistério mineral, que, como no mito bíblico, ergue o barro que respira e fala – a palavra – e quer ressoar, um eco, até a última palavra.

Eu costumo dizer já há algum tempo que de poemas não se fazem resenhas.
Lê-se-os, até em voz alta; recortam-se trechos, diz-se-os, fazem-se cópias inteiras.
São sentimentos que deitam-se em palavras.
Escolho o trecho de um para ilustrar o que digo de Cida Almeida e seu Flor da Pedra.

A rosa metálica

Tilinta
No coar das tardes
A rosa metálica
Que o mágico tira da cartola

Tilinta
No eu infinito
A palavra
Abracadabra
Abra-cadabra
Abra cada
Dabra
E dobra
Dobra

Tilinta
Sem nenhuma magia
A Rosa
Metálica
No fundo da cartola
Desses dias de manhãs puídas
Dessas tardes sonâmbulas
Vagas noites que me engolem
...


Chegamos à entrevista, para conhecer um pouquinho da autora, porque Flor de Pedra você vai amar quando ler.




Adroaldo Bauer - Estás muito apreensiva, Cida, ou só muito feliz...
o filhote já cheirando à tinta?
Cida Almeida – Chegar até o cheiro da tinta é um processo sofrido e difícil, mas também de muito aprendizado. A edição do Flor da Pedra me deu novos referenciais. Mais do que escrever o livro, fazer o objeto-livro é uma aventura. Apreensiva? No começo fiquei muito apreensiva. Agora, às vésperas de deixar o livro-pássaro voar, estou muito feliz com o resultado e com o aprendizado. Espero estar preparada para o olhar do outro.

Adroaldo Bauer – Já tem a data do lançamento?
Cida Almeida – O lançamento será na próxima quarta-feira, 3 de dezembro, às 20 horas, na Fundação Jaime Câmara. O espaço da Fundação Jaime Câmara é maravilhoso, com uma galeria de artes, e tem apoiado os artistas goianos. Estou também preparando um blog do Flor da Pedra para o processo de divulgação do livro, depois do lançamento.

Adroaldo Bauer - Agora estás na boca do povo...
Cida Almeida - O que bate é aquela tamanha dúvida. Será que estou fazendo a coisa certa em me aventurar assim para a materialidade definitiva de um livro? O livro já está feito. E o resultado ficou muito bom. Está sendo publicado graças à Lei de Incentivo à Cultura do Município de Goiânia, que funciona muito bem e tem dado aos escritores goianos oportunidade de publicação. Apresentei o projeto e, sem que esperasse, foi aprovado. A partir daí, começou a aventura com a realização do projeto, o cumprimento dos prazos e a prestação de contas.

Adroaldo Bauer - O teu nome inteiro?
Cida Almeida - Maria Aparecida de Almeida

Adroaldo Bauer - Quantos são teus irmãos? Há mais algum das artes entre eles?
Cida Almeida - Somos cinco irmãos, três mulheres e dois homens. Meu pai, Jerônimo Duarte, é músico e poeta natos, isso sem ter escrito uma linha. É uma enciclopédia viva de música caipira de raiz. No aniversário dele de 73 anos, incentivado pelos acordes do meu sobrinho de 15 anos, que toca muito bem violão e viola (apaixonou-se pelo instrumento por influência do meu pai), decidiu entrar junto com ele num curso de viola. Na primeira aula já estava ensinando o professor e não ficou nem um mês no curso. Não posso nem dizer que toca de ouvido. Por um método lá dele, vai dedilhando e tirando a música do fundo da memória. De vez em quando ele dispara a falar algumas coisas que deixa todo mundo embasbacado, como a análise de um quadro que tinha a imagem de Van Gogh dentro de um vaso de areia. Foi um delírio artístico estupendo! A minha irmã caçula, Jordanna, toca piano, é professora de música e mestranda na área pela UFG e que, por sinal, escreve muitíssimo bem, fato que só descobri agora. A minha outra irmã, Gisélia, é fotógrafa. Mas o artista mesmo, lá em casa, é meu pai. Meu pai sempre foi o sonho, o delírio que habita todos nós. Já minha mãe, Diva (que faleceu há três anos), sempre foi o feijão, a praticidade em pessoa.

Adroaldo Bauer - És natural de onde?
Cida Almeida - Eu nasci em Jandaia, município distante 100 quilômetros de Goiânia, numa fazenda que o meu avô, Belisário, ajudou a abrir. Ele veio de Minas para Goiás em carro de boi. Vivo em Goiânia, desde criança, em Campinas, bairro que nasceu antes de Goiânia.

Adroaldo Bauer - Inda atuas na imprensa?
Cida Almeida - Além de Jornalismo, também fiz Direito. Fiz os dois cursos praticamente ao mesmo tempo, pela Universidade Federal de Goiás. Estudava pela manhã e à noite e trabalhava à tarde. Saí da faculdade e ingressei no mercado de trabalho. Fui repórter dos jornais Diário da Manhã e da sucursal de Goiânia do Correio Braziliense. Trabalhei como repórter em todas as áreas. Acho que só não enveredei pelo esporte. Fiquei um bom tempo em editorias de política, cultura e especial. Mas, do que gostei mesmo, foi ser repórter de Cidades. E uma das provas de fogo foi a cobertura do acidente radioativo de Goiânia, ocorrido em 1987. Atualmente trabalho com assessoria de imprensa na área de ciência e tecnologia.

Adroaldo Bauer- Quando te sentiste poeta?
Cida Almeida - Sempre gostei de escrever. Isso começou por volta dos 13 anos. A opção pelo jornalismo aconteceu como um caminho natural de alguém que gostava da palavra e, principalmente, da palavra escrita. Acho que desde sempre. Desde que me entendo por gente.

Adroaldo Bauer- Essa tua timidez de poeta (ou poetisa)?
Cida Almeida – Tanto faz. Mas poeta me agrada mais que poetisa pela sonoridade. Quando digo, sou poeta, encho a boca e a alma. E adoro aquele verso do Maiakóviski: “Sou poeta. Isso é o que me faz interessante”.

Adroaldo Bauer - Desde sempre é diferente! Vem dizer que és pessoa que escreve. Escrever é uma coisa, a poesia te cobra que ponhas as letras em torrente no rumo que a alma impõe...
Cida Almeida - Aos 20 anos eu já tinha uma produção, em poesia, que me agradava muito. Se não me engano, em 87, cheguei a ter um poema classificado em 3º lugar num concurso do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, que rendeu até a publicação em um livrinho artesanal. Isso me encheu de contentamento. É um poema que caberia muito bem no Flor da Pedra. Dos 20 aos 25 anos também produzi muito para as gavetas. E só retomei a coisa em 2005. Dei aquela parada brusca e fui pra vida.

Adroaldo Bauer – Parou como?
Cida Almeida - Como a poesia era muito exigente, decidi viver, tocar a vida em frente. E a poesia me agarrou de novo pelos tornozelos. A poesia é muito exigente, acaba virando uma compulsão. Então, desliguei tudo, para não deixar brechas. E foi num momento de extrema fragilidade que a poesia me pegou de jeito novamente e devolveu a alegria e o prazer da palavra. Tem um poema do Flor da Pedra, o Ela, em que falo exatamente desta relação exigente da poesia, que pode ser resumida num verso: Ela bailarina/Eu sapatilha.

Adroaldo Bauer - Pensavas que podias deixá-la ali, dormitando, a um canto, sem que te viesse a incomodar ou a percebia te vigiando, querendo te assaltar alguma noite, algum dia de chuva forte, numa outra tarde de primavera?
Cida Almeida - A poesia sempre vinha. De um jeito ou de outro. Eu só não deixava mais brechas para ela escorregar para o papel. As minhas imagens mentais, as minhas construções verbais, mesmo em pensamento, sempre foram muito poéticas.

Adroaldo Bauer - Quando te apercebes que já era um livro que podias editar, não mais versos soltos, ou histórias isoladas, separadas?
Cida Almeida - Quando comecei a publicar na Internet foi uma espécie de sentinela para a disciplina do ato de escrever diariamente ou pelo menos com mais freqüência. Aí, ficou mais fácil organizar os poemas e sistematizar uma proposta de livro. O grande teste aconteceu na Internet, com a publicação no blog e, principalmente, no Overmundo (um site sobre cultura produzida por brasileiros). O retorno imediato das impressões dos leitores acaba por encher a gente de coragem. Os poemas que compõem o Flor da Pedra foram feitos ao longo dos três últimos anos, de 2005 pra cá. Poemas que eu fazia e publicava na rede. Uma produção despretensiosa. Fui retomando o gosto pela escrita, pela poesia. Uma coisa muito prazerosa. Com certeza foi o período da minha vida em que mais produzi. Não só poesia, mas crônicas, artigos.

Adroaldo Bauer – Todos estão já na web ou há inéditos?
Cida Almeida – A maioria publiquei na Internet. Mas, alguns só estão no livro.

Adroaldo Bauer – Como foram a produção, a editoração...
Cida Almeida – Quando decidi publicar o livro, no começo de 2007, procurei o jornalista e escritor Itamar Pires Ribeiro, que é meu amigo e o melhor editor de livros de Goiás, já foi presidente do Instituto Goiano do Livro. O Itamar fez todo o projeto visual do livro, capa e miolo, além da organização dos poemas. E também está lançando o seu sexto livro (contos), Histórias da Terra Vazia, uma semana antes do meu.

Adroaldo - A decisão de mandar projeto para financiamento público foi de quando e tu mesmo preencheste a papelada ou pedste ajuda a algum produtor?
Cida Almeida - O livro já estava pronto. Amigos me incentivaram, cutucaram, insistiram para que eu participasse do edital. O mais importante eu já tinha, que era a proposta de livro, com o material todo organizado. Li o edital com um amigo escritor, Antônio Carlos, que já tinha uma experiência no ramo e partimos para a papelada, contas, orçamentos, tabelas, justificativas, propostas de contrapartida como forma de promover a socialização do produto incentivado...

Adroaldo Bauer - Tens um programa acoplado, do tipo conversar com leitores, destinar parte da produção a bibliotecas comunitárias, escolares, populares...
Cida Almeida - Além do lançamento geral, que acontecerá na Fundação Jaime Câmara, fiz pré-lançamentos em cinco escolas da rede municipal na periferia de Goiânia, todas em bairros da Região de Campinas, onde cresci e vivo até hoje. Uma delas, Escola Municipal Padre Pelágio, foi onde conclui o primário. Foi muito gratificante voltar à escola. A diretora de lá estudou comigo na escola que dirige hoje. A conversa com as crianças foi animadora. Encontrei uma escola envolvente, criativa e participava, com sala de leitura e os alunos envolvidos com arte como atividade extracurricular. Foi muito bom narrar para elas a minha experiência na escola e com o mundo da leitura. A Jordanna Duarte, minha irmã, deu um toque especial a esse pré-lançamento. Ela construiu uma historinha para uma apresentação cênica de quatro poemas do Flor da Pedra, com cartola, flor e peneira. Também doei livros para as bibliotecas e salas de leitura dessas escolas.

Adroaldo Bauer - A sessão de lançamento vai ser um sarau ou só receberás os convidados, interessados? Alguém já musicou algum poema teu que está no livro e vai tocar lá na hora e cantar. Alguém está fazendo isso para te dar de presente ou te surpreender, mas já sabes?
Cida Almeida – Haverá, durante o lançamento, um pequeno recital de poesia do Flor da Pedra, com participação da atriz e diretora teatral Valéria Braga, o professor de literatura e escritor Álvaro Catelan – responsável pela formação de muita gente boa -, dos músicos Jordanna Duarte e Hermes Soares. Fui num ensaio deles e fiquei surpresa quando a Valéria e o Rodrigo Cunha, ator que tem um trabalho fantástico com percussão vocal, improvisaram um rap com o poema Palavra de Mover Montanha. Fiquei extasiada, porque ficou lindo, lindo. Pedi que eles repetissem a brincadeira no recital do lançamento...

Adroaldo Bauer – Uma festa grande, sarau completo, então...
Cida Almeida - Mas a minha ambição com o Flor da Pedra é levá-lo para o palco. Eu gostaria muito de ver o Flor da Pedra nas mãos de um Hugo Rodas, diretor teatral de primeiríssima grandeza que mexe profundamente comigo. Depois de ver um trabalho do Hugo Rodas, o olhar da gente muda completamente. Também gosto de sonhar.

Adroaldo Bauer - A capa do livro é já esse teu sonho, um azul cascalho (seixo rolado) e um vermelho antigo. Quem a fez?
Cida Almeida – Capa, ilustrações, projeto gráfico, tudo do Itamar Pires. As ilustrações foram feitas a partir de fotos, muitas delas minhas. O livro tem um formato quase quadrado. A parte cinza, pedra vulcanizada, com essa marca menor, em formato de livro, com o nome Flor da Pedra, em vermelho, onde se pode visualizar na pedra em alto relevo um formato de asas. É uma capa muito sugestiva, que casou perfeitamente com a proposta do livro. Dá margem a algumas abstrações.

Adroaldo Bauer – É, mas é pedra, guria!
Cida Almeida - Sim. Mas o camarada tem que forçar muito a vista para ver a dimensão da pedra.

Adroaldo Bauer - Nada. Salta aos olhos. Está no título. E na imagem em camadas. Quantas páginas? E as ilustrações?

Cida Almeida – 160 páginas e muitas ilustrações.

Adroaldo Bauer – E a venda? A distribuição para livrarias? Vais vender pela Internet, pelo blog, entregar pelo correio?

Cida Almeida – Mais do que a publicação, o grande problema para os autores é a distribuição do livro. A distribuição do meu livro será feita pela Editora Kelps, aqui de Goiânia. Ainda estou acertando detalhes. Mas pretendo, sim, vender pela Internet, que é um meio muito ágil de se chegar ao leitor. Tenho comprado muito pela Internet, direto dos autores. O preço do livro é R$ 20,00.

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